domingo, 31 de outubro de 2010

A PRESIDENTE DE TODOS NÓS





Dilma Rousseff acaba de ser eleita Presidente do Brasil, a presidente de todos nós: daqueles em quem nela voutaram e dos eleitores de José Serra.

Que ela possa ser uma grande presidente, que possa olhar pelo povo, por suas necessidades e desejos.

Que seu olhar feminino se apure cada vez mais para que veja com sensibilidade os problemas das mulheres, das crianças.

Que haja respeito, lealdade para com seus eleitores, para aqueles que nela votaram e também por aqueles que agora terão que olhá-la com outros olhos de esperança e expectativa.

Felicidade, Sra. Dilma Rousseff. Felicidades, Brasil.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ALGUMA COISA ACONTECE...

Alguma coisa acontece...
Talvez aquele apelo em forma de prece
que o tempo não conseguiu desgastar.
Talvez aquela ânsia de beleza
que mesmo nos momentos de tristeza
o peito se negou a apagar.

Alguma coisa acontece...
Num olhar que se cruza e não se esquece
deixando o pranto secar.
Talvez a danada saudade
num ímpeto de boa vontade
tenha feito morada em outro lugar.

Alguma coisa acontece...
Outra visão de amor aparece
no parêntesis da nova poesia.
Confrontam-se medo e coragem
no palco da velha miragem
esquecida no âmago da melancolia.

Alguma coisa acontece
no silêncio do mundo quando anoitece
fazendo brotar de novo a esperança.
E no deleite desse tolo momento
deixo vagar meu pensamento
e te encontro na mesma dança.

(Cleide Canton)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

ANTES DO ANTES

Todos sabem: antes dos cientistas, antes dos fotógrafos, antes dos exploradores, nós, os desenhistas e escritores ditos de humor (na verdade a quintessência da seriedade) sempre chegamos antes ou fomos antes aonde não se achava possível.

Conversamos com os homenzinhos verdes de Marte antes dos cientistas, estivemos na lua antes dos astronautas, como antes penetramos nos porões de ditaduras, deixando registradas cenas horriphilariantes.

E até firmamos o princípio de que ''um tirano pode impedir uma fotografia, mas não pode evitar uma caricatura''.

Provando isso, agora, quando o novo Hubble parece ter fotografado um big-bang, republicamos este texto escrito há algumas décadas, pra mostrar que, nisso também, chegamos primeiro. Ou seja:

Além do infinito, tempos que ainda não se haviam iniciado, onde nem o nada ameaçava se tornar. Tempo inimaginável por ainda não existir imaginação, em plena vacuidade, no seio do incogitado, nicles patavina impalpável e intangível. É, não havia o primevo, nem o embrional: tudo (nada) sem transpiração, respiro, desova, parto, nenhuma exalação ou sopro ou brilho. Uma perpetuidade sem fim, sem margem, sem nascente ou ocaso, côncavo ou convexo, ilimitável porque ilimitada. Foi então (como então?) que O Que Não Existia pressentiu (como?) a Criação. Comunicou (como? a Vazio insubstancial sobre vazio absoluto, entre o inascido e o inascível, ponto inenditificável incomensuravelmente distante de onde as paralelas nem se prometiam no remoto, onde ninguém (e nem ninguém não existia ) perceberia a formação do ausente. quem?).

MORAL: DA VIDA NINGUÉM ESCAPA

(Millôr Fernandes)


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

EU APRESENTO A PÁGINA BRANCA

Eu apresento a página branca.

Contra:

Burocratas travestidos de poetas
Sem-graças travestidos de sérios
Anões travestidos de crianças
Complacentes travestidos de justos
Jingles travestidos de rock
Estórias travestidas de cinema

Chatos travestidos de coitados
Passivos travestidos de pacatos
Medo travestido de senso
Censores travestidos de sensores
Palavras travestidas de sentido
Palavras caladas travestidas de silêncio

Obscuros travestidos de complexos
Bois travestidos de touros
Fraquezas travestidas de virtudes
Bagaços travestidos de polpa
Bagos travestidos de cérebros
Celas travestidas de lares

Paisanas travestidos de drogados
Lobos travestidos de cordeiros
Pedantes travestidos de cultos
Egos travestidos de eros
Lerdos travestidos de zen

Burrice travestida de citações
água travestida de chuva
aquário travestido de tevê
água travestida de vinho
água solta apagando o afago do fogo
água mole sem pedra dura
água parada onde estagnam os impulsos
água que turva as lentes e enferruja as lâminas
água morna do bom gosto, do bom senso e das boas intenções
insípida, amorfa, inodora, incolor
água que o comerciante esperto coloca na garrafa para diluir o whisky
água onde não há seca
água onde não há sede

água em abundância
água em excesso
água em palavras.

Eu apresento a página branca.
A árvore sem sementes.
O vidro sem nada na frente.

Contra a água.

(Arnaldo Antunes)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

AOS QUE SONHAM

Não se pode sonhar impunemente
Um grande sonho pelo mundo afora,
Porque o veneno humano não demora
Em corrompê-lo na íntima semente…

Olhando no alto a árvore excelente,
Que os frutos de ouro esplêndidos enflora,
O Sonhador não vê, e até ignora
A cilada rasteira da Serpente.

Queres sonhar? Defende-te em segredo,
E lembra, a cada instante e a cada dia,
O que sempre acontece e aconteceu:

Prometeu e o abutre no rochedo,
O calvário do filho de Maria
E a cicuta que Sócrates bebeu!

(Raul de Leoni)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

TRÊS MÃES, TRÊS FILHOS

Três mulheres conversando ao lado de um poço. Um velho as escutava.


A primeira mulher dizia:
- Meu filho é muito forte, corre e pula.

A segunda dizia:
- O meu filho canta como os passarinhos.

A terceira mulher nada dizia, então o velho perguntou:
- Você não tem filhos?

Ela respondeu:
- Tenho, mas ele é um menino normal como todas as crianças.

As três mulheres pegaram seus potes cheios de água e foram caminhando. No meio do caminho, elas pararam para descansar e o velho homem sentou ao lado delas.

Logo elas viram seus filhos voltando para perto delas.

O primeiro vinha correndo e pulando, o segundo vinha cantando lindas canções.

O terceiro não vinha pulando nem cantando, ele correu em direção a sua mãe e pegou o pote cheio de água e levou para casa.

Então as três mulheres perguntaram para o velho homem:
- O que o senhor achou dos nossos filhos?

E o velho homem respondeu:
- Realmente, eu acabei de ver três meninos, mas vi apenas um filho.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

VOU-ME EMBORA PRA ARQUIBANCADA

Vou-me embora pra Arquibancada
Lá sou amigo do Rei
Lá tenho o futebol que eu quero
No estádio que escolherei
Vou-me embora pra Arquibancada

Vou-me embora pra Arquibancada
Aqui eu não sou feliz
Lá o drible é uma aventura
De tal modo inconseqüente

Que Garrincha algoz da Espanha
Senhor do tempo inclemente
Vem a ser contraparente
Do genro que nunca tive
E como farei mil gols
Leônidas e bicicleta
Zagueiros por meus escravos

Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na arquibancada
Mando chamar Mário Filho
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Nelson vinha me contar

Vou-me embora pra Arquibancada
Na Arquibancada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir segunda divisão

Tem gol de placa automático
Tem chopp gelado à vontade
Tem cheerleaders bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar

— Lá sou amigo do Rei —
Terei o troféu que eu quero
No estádio que escolherei
Vou-me embora pra Arquibancada.

* Homenagem a Manuel Bandeira que foi embora pra Pasárgada há 40 anos...
 
(Roberto Vieira)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

AMAR É SER FELIZ

Quanto mais envelhecia, quanto mais insípidas me pareciam as pequenas satisfações que a vida me dava,

tanto mais claramente compreendia onde eu deveria procurar a fonte das alegrias da vida.

Aprendi que ser amado não é nada, enquanto amar é tudo.

O dinheiro não era nada, o poder não era nada.
Vi tanta gente que tinha dinheiro e poder, e mesmo assim era infeliz.

A beleza não era nada.
Vi homens e mulheres belos, infelizes, apesar de sua beleza.

Também a saúde não contava tanto assim. Cada um tem a saúde que sente.
Havia doentes cheios de vontade de viver e havia sadios que definhavam angustiados pelo medo de sofrer.

A felicidade é amor, só isto.
Feliz é quem sabe amar.

Feliz é quem pode amar muito.
Mas amar e desejar não é a mesma coisa.

O amor é o desejo que atingiu a sabedoria.
O amor não quer possuir.

O amor quer somente amar.

(Herman Hesse)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ORAÇÃO DO PROFESSOR


Mesmo que eu fale todas as línguas dos homens e dos anjos, se me faltar o amor, sou como um sino que tange.

Mesmo que eu deslumbre todos os alunos e lhes fale maravilhas sobre todos os temas,
se me faltar o amor para lhes chegar ao coração, com mensagem de verdade e vida,
sou como um disco a repetir palavras alheias, sem compromisso social.

Mesmo que eu consuma a saúde em anos de trabalhos no magistério, se não tiver amor, isto de nada me adianta, pois estou longe de meus alunos e lhes dou tudo que tenho,
exceto entregar-me a mim mesmo.

O amor é paciente e respeita o ritmo de crescimento de cada aluno.
O amor é serviçal e se entrega sem reservas.
O amor não é invejoso e reconhece, com alegria, todo o bom que existe no outro.

O amor não envaidece, porque dá com a simplicidade de irmão e com a simplicidade do povo.
O amor não busca os próprios interesses, pois quer o bem e o crescimento do outro,
a ponto de se esquecer de si mesmo.

O amor não se irrita, nem perde o controle e a paz diante dos defeitos do aluno;
corrige-o para seu bem e não para desafogar a própria impaciência.
O amor tudo desculpa, porque conhece e compreende o coração do homem.
O amor jamais cessará.

A docência é apenas uma tarefa no caminho.
Quando chegarmos à meta, não haverá sábios nem ignorantes, pois seremos todos irmãos.

E de tudo que houvermos semeado, só permanecerá o AMOR.

De: Eudália Moreira de Sampaio
Moraújo - CE

terça-feira, 12 de outubro de 2010

MANÉ FALA Ó


Uma das figuras mais interessantes e inesquecíveis da minha Campinas: Mané Fala Ó.

Ele vivia entre o Cambuí e o Taquaral, hoje Vila Tofanello. Andava de bonde e, toda moça que encontrava cumprimentava com um alegre  Ó. Moça feia virava moça bonita - Mané assim a transformava.

Percorria a cidade de bonde, de bicicleta e não havia que não o conhecesse. Até o Ó foi assimilado pela cidade... quem não é de lá estranha que ainda muitas moças, mulheres de cumprimento com um Ó em vez de Oi.

Mané era moço de bons costumes: era educado, não fumava e não bebia. Geralmente usava uma camiseta branca e sobre ela camisa xadrez. Nos pés: alpargatas.

Me lembro muito bem dele. Quando saía do Colégio Ateneu Paulista e ia até o centro pegar o bonde para casa, lá estava Mané esperando as moças com seu Ó e, quando ele não nos via quem o cumprimentava éramos nós: Ó Mané!!!

Hoje Mané não está mais por lá... foi falar Ó pra papai do céu... e Campinas ficou mais triste sem ele.

SOLTE ESSA CRIANÇA!!!

"Sou grato ao colo da minha mãe. Mas grato mais ainda sou à decisão que ela teve de me "soltar" para a vida

LEVEI MUITO A SéRIO na minha infância aquela ordem do Milton Nascimento: "Vida de moleque é vida boa. Vida de menino é maluquinha. é bente altas, rouba bandeira Tudo que é bom é brincadeira".

Na época, minha cadeira de rodas era praticamente uma jamanta de tão grande e desconfortável, mas nada me impedia de ser criança.

Ia para a rua nas férias de julho e soltava pipa até os beiços ficarem rachados de tanto vento na cara. E, com a molecada empurrando minha "embarcação", eu me embrenhava nos matos para brincar de desbravador.

Mesmo tendo as pernas ou a coluna engessadas para tentar reparar a funilaria amassada que a pólio me deixou, minha mãe não me impedia de visitar meu mundo imaginário ao lado dos meus amigos, todos "responsáveis", no alto de seus seis, sete, oito anos.

Aquele ritmo de viver só era quebrado quando aparecia pelo caminho um adulto chato para dizer: "Ele é doentinho? Nooossa, a perninha dele é tão fininha! ôh, sofrimento, né? Ele não pode ficar na rua, não!".

Lembro-me de ficar meio confuso e cheio de dúvidas com aquelas intervenções. Afinal, para mim, deficiência nunca foi uma doença, eu não me sentia triste com meus cambitinhos e tinha uma infância pra lá de legal, como deveria ser.

Criança pode até festejar ou estranhar as diferenças do amigo que é ceguinho, cadeirantinho, surdinho, mas logo ela deixa tudo para lá, porque o importante é saber brincar, é saber comer areia sem se engasgar, é saber imaginar os monstros e as fadas.

Mas o adulto... esse sim é um mala sem alça que quer proteger a todo o custo, que quer defender sem mesmo haver uma guerra. Se quem não cai não aprende a se levantar, quem não se levanta -por motivos diversos- só aprende que pode voar se não é cercado de um monte de galinha choca o tempo todo.

Foi moleque que descobri, aos pouquinhos, que eu não conseguiria ser o artilheiro do time, mas poderia me arriscar no gol fazendo defesas heroicas com meus braços longos. Foi moleque que percebi que não poderia correr no pique-esconde, mas poderia ser o fiscal da brincadeira para "ninguém roubar!".

Quando gente grande chegava no meio de minhas zoadas de crianças, só era legal quando inventava regras que me ajudavam a brincar "de igual para igual". Mas, quando a ideia era me fazer de "café com leite" porque eu, supostamente, era mais fraco, achava um saco.

Toda criança precisa de cuidados, de atenção, de guias para chegar com segurança às outras fases da vida. Sou grato ao colo da minha mãe, que foi a minha forma de locomoção até os seis anos de idade. Mas grato mais ainda sou à decisão que ela teve de me "soltar" para a vida, de me deixar ter sido criança."

Esse texto foi publicado no jornal FOLHA DE SÃO PAULO de hoje, 12.10.2010. E, me lembrei muito das atitudes de minha tia Dora com seu filho Adalberto (que todos chamavam de Beco e eu de Paquito - ele parecia um mexicano). Com sua perninha fraca ele andava de bicicleta, jogava bola, empinava pipa... Depois, com cadeira de rodas ia à praia, andava pelo bairro e os primos até faziam "cavalo de páu" com ela.

Agora, que ele voou para outro mundo, o que será que anda aprontando???

Paquito, minha lembrança, meu carinho, minha saudade... Felicidades, querido! Que sua criança continue a ser feliz, muito feliz!

sábado, 9 de outubro de 2010

PEZINHOS

Pezinhos de criança
azulados de frio
Como os vêem e não os cobrem,
Deus meu!

Pezinhos feridos
pelas pedras todas,
ultrajados de neves
e lodos!

O homem cego ignora
que por onde passais,
uma flor de luz viva
deixais;

Que ali, onde colocais
a plantinha sangrante,
o narco nasce mais
perfumado.

Sede, posto que marchais
pelos caminhos retos,
heroicos como sois
perfeitos.

Pezinhos de criança,
duas joinhas sofridas,
como passam sem ver
as pessoas!

(Gabriela Mistral)

Fonte: Poesia Latina
IMAGEM: do pintor Majid Arvari

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

VOTAR

Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político que se chama governo democrático, ou governo do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato. foi publicado na revista "O Cruzeiro", no ano de 1947, com o objetivo de alertar os eleitores de então, quanto a importância do voto.

No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal: governo do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVÊRNO.

Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.

Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas - e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.

Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses impostos. Vejam como é grave a escolha desses "cobradores". Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bôlso.

E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aqueles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aqueles que vão "fabricar" o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.

Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.

Não preciso explicar muito este capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder.

Escolhem-se nas eleições aqueles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático. E, circunstância mais grave e digna de todo o interesse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de todas as forças armadas: o exército, a marinha, a aviação, as polícias.

E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio - lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem remunerado.

Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão faze-los reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem - e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fôssem.

Entregamos a esses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra - e a flor da nossa mocidade, a eles prêsa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.

Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.

... o govêrno, quando é ruim, ele é que nos dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos nossos filhos e nos faz aprodecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.

E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.

Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno.

(Este texto, de Raquel de Queiroz foi publicado na revista "O Cruzeiro", no ano de 1947, com o objetivo de alertar os eleitores de então, quanto a importância do voto. A sua atualidade é incrível, 63 anos depois)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

NÃO TEMA O ROMANTISMO

Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça tiaras de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando. E olhe alegre para a vida.

Recomendam-se encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se cansar de olhar e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar sempre, se possível com beijos, "aquela conversa importante que precisamos ter"; arquivar, se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida.

E nada de “precisamos discutir nossa relação”. Para quem ama feio, toda atenção é sempre pouca. E para quem ama bonito, qualquer atenção glorifica.

Não teorize sobre o amor, ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.

Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme, como por exemplo, a sinceridade ou não dar certo ou depois vir a sofrer ou abrir o coração ou contar a verdade do tamanho do amor que sente.

Jogue para o alto estratagemas, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exatamente aquele você que a vida impede de ser.

Seja você, cantando desafinado, mas todas as manhãs. Falando besteiras, mas criando sempre. Gaguejando flores. Sentindo o coração bater como no tempo do Natal infantil. Revivendo os carinhos que intuiu em criança. Sem medo de dizer, eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.


Talvez aí você consiga fazer o seu amor bonito, ou fazer bonito o seu amor, ou “bonitar” fazendo seu amor, ou amar fazendo o seu amor bonito (a ordem das frases não altera o produto), sempre que ele seja a expressão de tudo o que você é, e nunca deixaram, ou você não conseguiu, nem soube, ou vai ver que não pôde.

Não se preocupe demais com o amor e suas definições. Viva-o, tão somente.


Cuide agora da forma. Cuide da voz. Cuide da fala. Cuide do cuidado. Cuide do carinho. Cuide de você.

Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim aprender a fazer o outro feliz.

Afinal, se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto.

(Arthur da Távola)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A BUSCA

Com a ação destruidora do tempo, minha janela cresceu.

E contemplei então, um ramo com muitas folhas.

E uma vasta expansão do céu, com muitas nuvens.

Esqueci a folha verde solitária e aquele pequeno espaço da imensidão azul.

Jurava que não existia a árvore, nem o céu imenso.

Para mim, era aquela a verdade.

Cansado da prisão, da estreita cela, revoltei-me contra minha janela.

Com os dedos a sangrar, arranquei tijolo após tijolo.

E contemplei então, a árvore inteira, seu tronco majestoso,

Seus ramos numerosos, suas miríades de folhas, e uma imensa parte do céu.

Jurava que não existia outra árvore, nem outra parte do céu.

Era aquela a verdade.

Aquela prisão já não me retém.

Saí a voar através da janela.

Ó amigo, agora contemplo todas as árvores e a vastidão do infinito.

E embora eu viva em cada folha e em cada nesga do vasto céu azul,

Embora eu viva em cada prisão a espreitar por estreitas frestas, sou livre.

Não! Nada mais me prenderá- esta é a verdade.

(Krishnamurti)

domingo, 3 de outubro de 2010

SAUDADE DE OUTROS TEMPOS

Hoje, dia de eleições, bem que me bateu uma saudade das eleições de outros tempos, quando era mesmo uma festa!

Os debates eram quentes com Brizola se expressando com entusiasmo, agressividade e aquele seu jeitão encantador. Outros, como ele, colocavam calor aos debates, às eleições.

Havia boca-de-urna, bandeiras, carreatas, tudo na maior animação. Meu carro sempre tinha adesivos, bandeiras, santinhos...

Agora os candidatos parecem mais executivos pleiteando um cargo... Mas, é o progresso...

Porém, que as eleições eram mais animadas com as militâncias nas ruas, ah, eram mesmo...

Tenho saudade, e daí???

Outubro é rosa

Minha amiga Cris Borrego se lembrou que o mês de outubro é rosa.

Rosa porque é o mês é mundialmente conhecido como sendo o mês da prevenção do câncer de mama

Se quiser mais informações, clique no link abaixo

http://www.bymk.com.br/looks/944317

VAMOS DIVULGAR, VAMOS PREVENIR!!!

sábado, 2 de outubro de 2010

Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.

Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!

Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali.

Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham.

Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

MÃE

Mãe não entende se você não come tudo que está no prato.

Mãe não aceita desculpas do tipo 'Se os outros podem, por que eu não posso?'.
Mãe responde: 'Os outros não são meus filhos'.

Mãe adora ouvir o barulho da fechadura quando o filho chega.
Mãe tem cheiro de banho, tem cheiro de bolo, tem cheiro de casa limpa.

Mãe fica assustada quando vê o caso daquela modelo que morreu de anorexia:
'Eu já falei pra você comer tudo!'
Mãe fica assustada quando lê notícia de assalto.
Mãe fica assustada quando lê notícia de acidente.
Mãe fica assustada quando lê notícia de briga.
Mãe fica assustada quando lê notícia.
Mãe fica assustada.

Mãe não está nem aí para o que os outros pensam.
Mãe foge com o filho para o Egito, montada num burrico.
Mãe tem sonho.
Mãe tem pressentimento.
Mãe tem sexto sentido e sétimo, oitavo, nono, décimo.
Mãe não faz sentido (para quem não é mãe).

Mãe chora ao pé da cruz.
Mãe chora em rebelião.
Mãe chora se o filho é messias ou bandido..
Mãe acredita.
Mãe não pode ser testemunha no tribunal.
Mãe é café com leite.
Café com leite, pão com manteiga, biscoito, bolacha de água e sal, banana cozida.
E ainda faz você levar um pedaço de bolo pra casa.

Mãe só tem uma, mas é tudo igual.
Mãe espera o telefone tocar.
Mãe espera a campainha tocar.
Mãe espera o resultado do vestibular.
Mãe espera o carteiro.
Mãe moderna espera e-mail.
Mas espera.
Mãe sempre espera.

Mãe ama. Ama incondicionalmente!
Assim, verbo intransitivo, como queria Mário de Andrade.
Porque, se é mãe, já se sabe o que ela ama.
A culpa é da mãe, dizem os freudianos superficiais.
Os verdadeiros freudianos sabem que, sem mãe, nada feito.

Uma amiga costuma dizer: 'Pai é palhaço, mãe é de aço'.
A frase é interessante, porque o aço é uma liga de ferro e carbono.
Ferro é o símbolo da força; carbono é o elemento presente em todos os organismos vivos.
A mãe constitui a liga entre a fragilidade e a força do indivíduo.
Não há algo mais vulnerável e mais sólido que a maternidade.
Mãe é de aço.

A esta altura, você deve estar perguntando:
'Mas por que esse cara está falando tanto de mãe?'
A verdade é que eu não sei.
Talvez seja porque a palavra mãe não tenha equivalente.
Já notaram? Mãe só rima com mãe.

(autoria desconhecida)