quarta-feira, 27 de abril de 2011

Il Divo - Without You (desde el dia que te fuiste)

SOU UM GUARDADOR DE REBALHOS

                                 Sou um guardador de rebanhos.
                                 O rebanho é os meus pensamentos
                                 E os meus pensamentos são todos sensações.
                                 Penso com os olhos e com os ouvidos
                                 E com as mãos e os pés
                                 E com o nariz e a boca.
                                
                                 Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
                                 E comer um fruto é saber-lhe o sentido.


                                 Por isso quando num dia de calor
                                 Me sinto triste de gozá-lo tanto.
                                 E me deito ao comprido na erva,
                                 E fecho os olhos quentes,


                                 Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
                                 Sei a verdade e sou feliz



                                                  
                                                 (Fernando Pessoa)

sábado, 23 de abril de 2011

SOTAQUE DA TERRA

Estas pedras
sonham ser casa

sei
porque falo
a língua do chão

nascida
na véspera de mim
minha voz
ficou cativa do mundo,
pegada nas areias do Índico

agora,
ouço em mim
o sotaque da terra

e choro
com as pedras
a demora de subirem ao sol



MIA COUTO



nasceu na Cidade da Beira (Moçambique) em 1955, filho de uma família de imigrantes portugueses.

Publicou os primeiros poemas no "Notícias da Beira", com 14 anos. Em 1972, deixou a Beira  e partiu para Lourenço Marques para estudar Medicina. A partir de 1974, começou a fazer jornalismo, tal como o pai.




Com a independência de Moçambique, tornou-se diretor da Agência de Informação de Moçambique (AIM). Dirigiu também a revista semanal "Tempo" e o jornal "Notícias de Maputo".

Em 1985 formou-se em Biologia pela Universidade Eduardo Mondlane. Foi também durante os anos 80 que publicou os primeiros livros de contos.

Estreiou com um livro de poemas, "Raiz de Orvalho" (1983), só publicado em Portugal em 1999. Depois, dois livros de contos: "Vozes anoitecidas" (1986) e "Cada Homem é uma Raça" (1990).Em 1992 publicou o seu primeiro romance, "Terra Sonâmbula".

A partir de então, apesar de conciliar as profissões de biólogo e professor, nunca mais deixou a escrita e tornou-se um dos nomes moçambicanos mais traduzidos: espanhol, francês, italiano, alemão, sueco, norueguês e holandês são algumas línguas.

Outros livros do autor: "Estórias Abensonhadas" (1994); "A Varanda do Frangipani" (1996); "Vinte e Zinco" (1999); "Contos do Nascer da Terra" (1997); "Mar me quer" (2000); "Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos" (2001); "O Gato e o Escuro" (2001); "O Último Voo do Flamingo" (2000); "Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra" (2002). "O Fio das Missangas" (2004) é o seu último livro de contos.

Em 1999 foi vencedor do prémio Vergílio Ferreira pelo conjunto da obra, um dos mais conceituados prêmios literários portugueses, no valor cinco mil euros, que já premiou Maria Velho da Costa, Maria Judite de Carvalho e Eduardo Lourenço, entre outros.

Em 2001, recebeu também o Pr}emio Literário Mário António (que distingue obras e autores dos países africanos lusófonos e de Timor-Leste) atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian por "O Último Voo do Flamingo" (2000).

sexta-feira, 22 de abril de 2011

VOCÊ SABE OU VOCÊ SENTE?


Você já reparou o quanto as pessoas falam dos outros? Falam de tudo.
Da moral, do comportamento, dos sentimentos, das reações, dos medos, das imperfeições, dos erros, das criancices, ranzinzices, chatices, mesmices, grandezas, feitos, espantos.
Sobretudo falam do comportamento.
E falam porque supõem saber.
Mas não sabem.
Porque jamais foram capazes de sentir como o outro sente.
Se sentissem não falariam.
Só pode falar da dor de perder um filho, um pai que já perdeu, ou a mãe já ferida por tal amputação de vida.
Dou esse exemplo extremo porque ele ilustra melhor.
As pessoas falam da reação das outras e do comportamento
delas quase sempre sem jamais terem sentido o que elas sentiram.
Mas sentir o que o outro sente não significa sentir por ele.
Isso é masoquismo.
Significa perceber o que ele sente e ser suficientemente forte para ajudá-lo exatamente pela capacidade de não se contaminar com o que o machucou.
Se nos deixarmos contaminar (fecundar?) pelo sentimento que o outro está sentindo, como teremos forças para ajudá-lo?
Só quem já foi capaz de sentir os muitos sentimentos do mundo é capaz de saber algo sobre as outras pessoas e aceitá-las, com tolerância.
Sentir os muitos sentimentos do mundo não é ser uma caixa de sofrimentos.
Isso é ser infeliz.
Sentir os muitos sentimentos do mundo é abrir-se a qualquer forma de sentimento.
É analisá-los interiormente, deixar todos os sentimentos de que somos dotados fluir sem barreiras, sem medos, os maus, os bons, os pérfidos, os sórdidos, os baixos, os elevados, os mais puros, os melhores, os santos.
Só quem deixou fluir sem barreiras, medos e defesas todos os próprios sentimentos, pode sabê-los, de senti-los no próximo.
Espere florescer a árvore do próprio sentimento.
Vivendo, aceitando as podas da realidade e se possível fecundando.
A verdade é que só sabemos o que já sentimos.
Podemos intuir, perceber, atinar; podemos até, conhecer. Mas saber jamais.
Só se sabe aquilo que já se sentiu.

(Arthur da Távola)


sexta-feira, 15 de abril de 2011

ORAÇÃO NATURAL



DONIZETE GALVÃO,
poeta mineiro

Fique atento
ao ritmo,
aos movimentos
do peixe no anzol.
 
Fique atento
às falas 
das pessoas
que só dizem
o necessário.
 
Fique atento
aos sulcos
de sal
de sua face.
 
Fique atento
aos frutos tardios
que pendem
da memória.
 
Fique atento
às raízes
que se trançam
em seu coração.
 
Fique atento.
A atenção
é sua forma natural 
de oração.
 
(Donizete Galvão)

quarta-feira, 13 de abril de 2011


Mais uma vez acontecerá em São Paulo o
BAZAR DO BEM POSSÍVEL com a participação de 112 instituições.

Esse evento é sempre um sucesso, pois existe venda de coisas maravilhosas, cuja venda ajudará as instituições em seus trabalhos.

Rai, ex-jogador de futebol é o padrinho do evento.

APAREÇAM!!!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A MAIOR DOR

Ela chora: sua criança partiu. Partiu antes da hora, partiu na escola junto de seus professores e de seus amigos.

Quando ela deixou sua criança na escola, saiu feliz. Ela gostava do colégio, dos professores e dos amigos. Era estudiosa, queria estudar bastante para poder um dia,
ser alguém na vida, ajudar a família e ter também a sua família.

Quando ela deixou sua criança na escola, saiu confiante. Ia para o trabalho com a certeza que estaria bem, segura e que nada poderia acontecer de ruim, afinal, estava na escola.

Quando seu telefone tocou... tudo mudou, sua confiança, sua alegria se foram... Sua criança também tinha ido... ido embora, não da escola, mas da vida.

Seria verdade mesmo? Mas, como sua criança havia morrido se ela estava na escola? Como alguém pode morrer assim, se está na escola?

A dor, de tão grande parece explodir o coração da mãe. Como viver sem sua criança? Como continuar a viver sem sua criança, sem sua menina que queria ser moça, mulher?

Precisava orar, mas nem isso conseguia... Orar como? Orar a quem? A infeliz mãe não conseguia... ela só queria chorar e ficar, nem que seja só mais um pouquinho perto de sua criança, aquela criança que sonhava, sorria e era tão feliz.

Despede-se da sua criança...

Até um dia, minha criança... até um dia...

(Mima Badan, também chorando...)




terça-feira, 5 de abril de 2011

DÁ-ME A TUA MÃO



Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

SERÁ UMA VEZ


JOSÉ NÊUMANNE PINTO
No dia em que chegar o dia,
nem é preciso que eu esteja pronto,
enfatiotado para a viagem de rumo incerto
e com bagagem feita, além de minha nudez.
Na hora em que chegar a hora,
a hora incerta, a que não tem seguinte,
pretendo apenas estar sóbrio e lúcido,
para me servir de boa companhia,
pois longa será a travessia
e não haverá a chance de chamar alguém.


Quando chegar a visita que não se espera,
não lhe servirei café na xícara
nem terei palavras para lhe saudar a entrada.
Quero estar mudo como a matéria, que serei de novo,
pois quanto mais houver silêncio num adeus,
mais comovido será o momento.
Não importa quanto o tempo vivido,
pois será sempre escasso.
Nem a saudade que fica conta,
pois sempre haverá o vazio imenso...
 

Quando o dia chegar, sem aviso,
não haverá testamentos a assinar
nem encontros combinados a confirmar,
muito menos o testemunho de minha ausência.
Será, como sempre, numa hora precária,
pois, afinal, precárias são todas as horas
e, pelo menos para quem fica, ela terá
a vaga importância que têm todas as horas.
Reservo-me apenas o direito de sonhar sozinho
o sonho definitivo do último sono,
o delírio final da razão partindo
e o último alento da visão, que escapa.
 

Não é lícito escrever tanto sobre estas coisas
nem cabe aqui descrever o não sabido,
que, no entanto, é só o que se sabe.
Sei apenas que sou pó
e, quando voltar ao pó, de onde venho,
gostarei de ter passado como um cometa,
não apenas um meteorito tonto
a esmagar as pedras que rolam no caminho.
Quando eu passar, definitivamente,
mesmo tendo sido em vão o meu desfile,
quero que meu amor guarde de mim os doces instantes
e os inimigos eventuais tenham cebolas a cortar.
 

Quando hoje houver, mas amanhã nem talvez,
quem tiver cruz a transportar nas costas
que a fixe sobre o chão que me abrigar
e meus filhos me possam lembrar
como a semente que teimou em germinar.
Quando mergulhar no mar vazio,
de onde vim, também sem o saber,
estarei, como nunca, melado
da placenta pastosa das palavras,
berrando o urro primevo e primal
de todo inexistente que alguma vez tenha existido.


JOSÉ NÊUMANNE PINTO

São Paulo, madrugada de 7 de março de 1998