domingo, 15 de novembro de 2009

A CANÇÃO DO TEMPO QUE NÃO VIRÁ



Todas as bocas só me pedem versos,
como se de versos fosse todo eu feito:
a goteira do rancho; o menino sem livro;
o chão sem semente; a boca sem riso;
a rede sem peixe; o enfermo sem leito;
o rancho com fome; o livro mais caro;
a semente com dono; o riso com uísque;
o peixe com preço; o leito com lã...

E, então, me perguntam porque faço versos,
que gemem de dor; que choram de ódio;
que geram silêncios; que babam consciências;
que abortam questões; que fundem idéias;

e, a todos, eu digo
que somos irmãos;

que os versos que faço
me veem de seus olhos:
de mães que amamentam,
sem leite nos seios;
de pais que derretem
energias na luta;
de meses contados
com baixos salários;
do brilho do esmalte,
de mãos femininas;
da moeda que lembra
os burgueses redondos;
de todas as formas
que deram ao Cristo!

Os versos que fiz caminham sozinhos;
e a mim já voltaram milhares de vezes,
em forma de voto!

Eu sou a tribuna da voz dos humildes;
sou praga escaldando a grande mentira
de todo o que colhe, sem nada plantar!

Eu quero o Direito, a Verdade, o Amor!
Eu quero arrancar do olhar da Justiça
a venda que a impede de ver o que vejo!

Lauro Rodrigues - poeta gaúcho - 1918 -  1978

* Veja Rodrigo Medeiros declamando a poesia
no Programa Galpão Nativo, no YouTube:

http://www.youtube.com/watch?v=SMksyn-lYcY

Um comentário:

Nárriman disse...

Olá Mima!!
Olha, achei esse poema bonito, mas um pouco triste...mas é a realidade dos nossos dias, né?
Bjs e tenha uma ótima semana!!