terça-feira, 29 de março de 2011

SEM FINAL FELIZ


Lá ia um preocupado com o aluguel, o outro com os filhos, um terceiro com o emprego;numa casa a geladeira,na outra as obras quase prontas ;um casal apaixonado,o outro convivendo com o ódio surdo dos anos; uma mulher que não cabia em si de felicidade ao descobrir que ia ser mãe, outra desesperada pelo mesmo motivo; um rapaz com a primeira moto, uma moça com as roupas novas, uma criança entediada com os brinquedos velhos, outra fascinada com um game novo; um homem arrasado com um diagnóstico sem remédio, outro recuperado de uma cirurgia; uma avó comprando verduras no mercado para o jantar da família, outra buscando os netos na escola, um marceneiro aborrecido com um calote, uma professora feliz com o progresso dos alunos,um carteiro entregando a correspondência.

Vendedores vendendo,compradores comprando,dinheiro trocando de mãos, pequenas atividades cotidianas, como pontos numa tapeçaria.

De repente ,uma onda gigantesca sai do mar e acaba com tudo,alegrias e preocupações,felicidade e desespero , lucro e prejuízo,amor e ódio. Onde havia a engenhosa obra humana que é uma cidade em pleno funcionamento já não há nada,a não ser lama e escombros.

A vida que sobrou precisa continuar,mas como se continua depois de ver o mundo acabar em dez minutos ? Qual é a escala de valores que se aplica ? O que passa a ser prioritário? A idéia de que a vida se reduz ao mínimo denominador comum , às necessidades mais imediatas, é suposição de quem vê a catástrofe de longe.

Lá , em meio ao caos, é possível que nada tenha tanto valor quanto uma foto, uma carta, um recorte de jornal, provas materias do que existiu um dia. Ou não. Haverá talvez quem incorpore a nova realidade e passe a imaginar que o que havia antes não passa de uma alucinação coletiva,um sonho ao contrário.

Ainda assim , a civilização e a educação, duas irmãs que fazem diferença , escaparam ilesas da tsumani. Não se verificaram roubos,saques ou ataques de histeria destinados as câmeras de TV. Foi um assombro pra quem assistiu a tudo do outro lado do mundo e
com certeza,é um consolo pra quem está lá, e não precisa acrescentar à já longa lista de vicissitudes o medo do seu semelhante.

O Japão provou que o ser humano não precisa ser necessariamente violento, boçal e amoral. Resta saber quantos séculos mais nós precisaremos para alcançar este estágio.

(Cora Ronai)

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